No século XIX, vários psiquiatras descreveram quadros de euforia e de depressão que se caracterizavam por ter um caráter cíclico, isto é, aparecerem em fases de duração determinada e depois desaparecerem. Havia muitas formas dessa loucura cíclica ou circular e muitos nomes foram propostos para cada uma delas.
Em 1839, Emil Kraepelin reuniu todas essas forma sob a denominação de Psicose Maníaco-Depressiva, que, contrariamente à sua Demência Precoce, não tinha prognóstico tão sombrio e geralmente não deixava resquícios após a remissão do surto, sendo surpreendente que o doente, depois de seriamente perturbado, recuperasse sua normalidade por completo.
A categoria da Demência Precoce não subsistiu por muito tempo. Enunciada em 1889, veio a ser substituída pela Esquizofrenia, proposta por Eugen Bleuler em 1811, que contestou tanto a incidência precoce como a evolução para a demência, reconhecendo a existência de formas mais benignas do quadro clínico em qualquer idade.
Já o conceito de Psicose Maníaco-Depressiva perdurou até 1993, quando a classificação das doenças mentais do CID-10 substituiu seu nome para Transtorno Afetivo Bipolar, evitando o uso do termo psicose.
O transtorno afetivo bipolar se inscreve numa classificação mais abrangente no capítulo dos Transtornos Afetivos ou do Humor, da CID-10, como um de seus itens, comportando subitens. Não se operou apenas uma alteração terminológica, mas uma ressignificação semântica, que ampliou muito a sua abrangência, a ponto de se propor um espectro bipolar, desde formas mais leves até a mais grave de sua manifestação. Para melhor entendimento, veja-se o quadro abaixo:
- F30-F39 Transtornos do humor [afetivos]
- F30 Episódio maníaco
- F30.0 Hipomania
- F31 Transtorno afetivo bipolar
- F31.0 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual hipomaníaco
- F31.1 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco sem sintomas psicóticos
- F31.2 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco com sintomas psicóticos
- F31.3 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo leve ou moderado
- F31.4 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave sem sintomas psicóticos
- F31.5 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave com sintomas psicóticos F31.6 Transtorno afetivo bipolar, episódio atual misto
- F31.7 Transtorno afetivo bipolar, atualmente em remissão
- F31.8 Outros transtornos afetivos bipolares
- F31.9 Transtorno afetivo bipolar não especificado
- F32 Episódios depressivos
- F32.0 Episódio depressivo leve
- F32.1 Episódio depressivo moderado
- F32.2 Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos
- F32.3 Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos
- F32.8 Outros episódios depressivos
- F32.9 Episódio depressivo não especificado
- F33 Transtorno depressivo recorrente
- F33.0 Transtorno depressivo recorrente, episódio atual leve
- F33.1 Transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado
- F33.2 Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave sem sintomas psicóticos
- F33.3 Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave com sintomas psicóticos
- F33.4 Transtorno depressivo recorrente, atualmente em remissão
- F33.8 Outros transtornos depressivos recorrentes
- F33.9 Transtorno depressivo recorrente sem especificação
- F34 Transtornos de humor [afetivos] persistentes
- F34.0 Ciclotimia
- F34.1 Distimia F34.8 Outros transtornos do humor (afetivos) persistentes
- F34.9 Transtorno do humor (afetivo) persistente não especificado
- F38 Outros transtornos do humor [afetivos]
- F39 Transtorno do humor [afetivo] não especificado
Apesar de conter 31 formas, este quadro ainda não dá conta de incluir outras formas atípicas, como o transtorno borderline, a personalidade depressiva, a neurose depressiva ou depressão neurótica, a depressão reativa, a depressão vital, que não podem ficar fora do espectro bipolar, se vamos levar a sério essa proposição teórica.
O termo bipolar tem ganho muita adesão popular por se ter vulgarizado e perdido sua força semântica, de forma que qualquer pessoa que experimente variações de humor se designe, até por galhofa, como bipolar. Então, temos de repor a seriedade do conceito e dizer que se trata de saúde pública e isso exige mais rigor nos termos utilizados.
Como o nome bipolar sugere, os estados de ânimo ou humor variam entre dois polos: de um lado, alegria, euforia, de outro, tristeza, depressão. Ao polo da excitação, contrapõe-se o da inibição. As ideias delirantes, quando presentes, costumam ser congruentes com o humor, de forma que no polo maníaco, aparecem delírios de grandeza ou de exaltação religiosa e, no polo depressivo, delírios de inferioridade, de menos valia e niilismo. O senso crítico tende a ser abolido na fase maníaca, a pessoa gasta sem limites, contrai dívidas impagáveis, estoura o cartão de crédito, desinibe-se sexualmente, com exacerbação da sexualidade e até atentado ao pudor. No polo depressivo, ao contrário, o sentimento de culpa se hipertrofia, delírios de autoacusação e desejos de autodestruição podem levar a ideias de auto-eliminação e tentativas de suicídio.
Como o indivíduo na fase maníaca não tem juízo crítico, ele não se julga doente, o estado de euforia fá-lo sentir-se muito bem e reage quando se tenta controla-lo em seus gastos excessivos para não dilapidar o seu patrimônio pessoas e familiar ou quando se tenta protege-lo de se expor em público e por isso, reage a qualquer tentativa de contenção, passa da excitação eufórica à agitação psicomotora com liberação de agressividade, o que acaba por determinar sua internação.
Na fase depressiva é o risco de suicídio e a recusa alimentar que geralmente decretam sua internação em nome da preservação de sua sobrevivência.
O tratamento do surto maníaco se faz com antipsicóticos, ansiolicos e hipnóticos, além da introdução de estabilizadores do humor, que terão um papel profilático no sentido de evitar a repetição das crises, sendo o mais eficiente o lítio, mas também são eficazes medicamentos antiepilépticos, como o valproato, a carbamazepina e a lamotrigina.
Na fase depressiva, os antidepressivos são prescritos e há deles grande variedade. Há antidepressivos ativadores, como a bupropiona e sedativos, como a mirtazapina, a trazodona e a agomelatina. Há vários representantes de inibidores da receptação da serotonina (fluoxetina, paroxetina, sertralina, citalopram, fluvoxamina) ,inibidores de dupla receptação (venlafaxina, desvenlafaxina, duloxetina, escitalopram), e menos usados atualmente, os tricíclicos (imipramina, desipramina, amitriptilina, nortriptilina, clomipramina, maprotilina) e inibidores da monoaminoxidase (tranilcipromina, moclobemida). Quando há risco de liberação de impulso suicida ou ideação delirante, associam-se antipsicóticos, sendo os mais utilizados atualmente a quetiapina, a risperidona e o aripiprazol.
Nas depressões recorrentes acrescentam-se os estabilizadores de humor. Como a insônia é comum nas depressões, também se utilizam os hipnóticos benzodiazepínicos (midazolam, sstazolam, nitrazepam, flurazepam, flunitrazepam) e os de útima geração (zolpidem, zaleplon e zolpiclona).
As depressões refratárias que representam risco de morte são indicação para eletroconvulsoterapia.
A estimulação magnética transcraniana ainda não é utilizada na prática usual, estando em estado de pesquisa promissora. O uso do anestésico cetamina também está em fase de ensaio clínico.